segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Um tempo

Amigos, amigas e leitores:
por conta de compromissos profissionais, este blog ficará um tempo sem ser atualizado.
Um afetuoso abraço,
Arriete Vilela

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Dica de leitura: DO AMOR E OUTROS DEMÔNIOS, de Gabriel García Márquez



Do Amor e Outros Demônios é a história de uma garota mordida por um cão, que é internada num convento sob suspeita de estar possuída pelo demônio. Não foi inventada pelo escritor. Faz parte da mitologia colombiana. Gabriel García Márquez a descobriu quando, ainda repórter, foi cobrir a demolição do antigo Convento de Santa Clara. Lá ouviu falar na lenda da menina de longos cabelos vermelhos que se apaixona pelo padre incumbido de submetê-la ao exorcismo. Como ficcionista, Gabo tomou o que lhe contaram como base para a história que constrói com sua imaginação. O resultado é uma meditação sobre o poder subversivo do desejo, e a opressão que, com todas as suas máscaras (ou como nenhuma delas), tenta mantê-lo reprimido."

De Alice Munro



"Há uma coisa que eu creio estar crescendo em mim à medida que fico mais velha: os finais felizes."

De W. H. Auden



"Um poeta é, acima de tudo, uma pessoa que ama apaixonadamente a linguagem."

De Friedrich Schiller



"Não vos percais em tempos distantes; aproveitai o momento que é vosso..."

De Jean de la Fontaine



"Todo lisonjeador vive à custa daquele que lhe dá ouvidos."

domingo, 20 de novembro de 2011

Do prof. dr. José Mário da Silva (UFCG-PB)

Cara escritora Arriete Vilela:
Como lhe disse, os alunos amaram o seu livro Fantasia e Avesso (...), que é um emblemático exemplo de um texto refinadíssimo do ponto de vista da poeticidade que o impregna e matiza.
Acertei em cheio na opção que fiz. Desde o primeiro contato com o texto, os alunos se encantaram. E a maioria está visitando o seu blog.
Como você me disse certa feita, para quem faz do ato/processo de escrever literatura a sua porção diária de sobrevivência estética, não pode haver prazer maior do que se dar conta de que as suas 'fantasias e os seus avessos" estão circulando, voando por todos os horizontes (im)possíveis da leitura.
Fico feliz por você. Fico feliz pela literatura qualificada que emerge da sua inteligência e sensibilidade tão criativas.
Abraços fraternos, querida escritora-amiga.

Fantasia e Avesso na Universidade Federal de Campina Grande, PB



De Fernando Pessoa

"Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração."

De Marcelle Marini

"O escritor, como o artesão, tece seu texto com imagens visíveis e intencionais, mas a trama desenha também uma imagem invisível e involuntária, uma imagem oculta no cruzamento dos fios, o segredo da obra (para seu autor e para seus leitores). Armadilha para a interpretação, pois essa imagem está em toda parte e em nenhum lugar: de fato, há uma multiplicidade de imagens possíveis, e o texto, aparentemente terminado, é, na leitura, ocasião de infinitas metamorfoses. Pode-se pensar também nos quadros ópticos, verdadeiras armadilhas para o olhar. A mesma quantidade de apelos ao imaginário, à palavra, à atividade do sujeito leitor ou espectador."

Enviado por Aline Arruda (UFCG - PB)

Faço parte desses alunos que estão estudando o livro Fantasia e Avesso, na Universidade Federal de Campina Grande.
Estou adorando a obra, com todo o seu encantamento, idas e vindas, palavras que afagam e que machucam.
Só temos que agradecer ao Professor José Mário, por ter nos proporcionado conhecer esta produção intelectual tão profunda.
Com admiração,
Aline Arruda

domingo, 13 de novembro de 2011

Manias literárias

Raimundo Carrero, autor de O amor não tem bons sentimentos – “Só tenho um hábito quando escrevo: rezo. Como todo bom sertanejo, acredito no Espírito Santo e faço minhas orações. Em geral, não preciso de horários ou circunstâncias. É claro que costumo acordar muito cedo para escrever. E estou sempre fazendo alguma coisa. Ando com uma agenda onde faço anotações. Agora mesmo estou escrevendo um Diário da Criação onde informo tudo o que acontece comigo no plano literário: personagens, cenas, cenários, diálogos, e adianto as informações técnicas: por que uso um diálogo direto ou indireto, qual a necessidade de uma cena – rapidez – ou de um cenário – lentidão. Explico a função e o efeito. Enfim, revelo as estratégias para escrever uma novela. Faço tudo com muitos detalhes. Prefiro acreditar no trabalho obstinado. Não conheço domingos, feriados ou dias santos: trabalho e trabalho e trabalho. Sempre.”

Fabrício Carpinejar, autor de Canalha! – “Não consigo escrever sem camisa. É como desrespeitar a imaginação. Eu me sinto travado. Meu melhor período é de manhã. Na tarde, leio outros livros. Na noite, reviso meus originais. Eu me sustento com café. Fico isolado no fundo do pátio, num bunker, artefando a linguagem. Sou disciplinado. Na hora de algum bloqueio, faço faxina da grossa, com detergente e enceradeira. Volto cansado ao computador, sem vontade de mentir. Rabisco caderninhos, mas são os apontamentos que nunca leio. Adivinho o que escrevi lá. Os filhos não me atrapalham, podem conversar e perguntar que mantenho a costura da pele.”

João Gilberto Noll, autor de Acenos e afagos – “Gosto de escrever de manhã cedo. Me parece que é meu melhor impulso venha desse horário. É a cabeça mais vazia, muito mais propícia para um arranque em direção a um certo inconsciente.”

Marcelino Freire, autor de Rasif – “Não tenho hora para escrever. Sempre estou atrasado. Paro em frente ao computador só quando a frase não pode mais esperar. Guardo a coisa até estourar. Algo que ouvi na rua, algum som que catei na TV. A partir dessa primeira faísca é que vou contando/cantando a história, sem saber aonde ele vai dar, às cegas. Não acendo incensos. Para não afastar os fantasmas. Não posso ouvir música. Tenho de estar em silêncio. Todo concentrado para a palavra – uma vez que ela, repito, é o meu guia. Neste escuro, neste abismo e maravilha! Quando pego o ritmo, a voz do personagem. Quando sei que não mais o perderei de vista. Dou um breque. Uma paradinha e pego uma cerveja. Uma só, para não ficar bêbado. Não consigo escrever embriagado. Tudo em mim tem de estar ligado . Sóbrio e afinado. Para ouvir, sem intermediários e sem atrapalhos, o que eu tenho a dizer. Sempre cercado de dicionários. Palavras de todo tipo. Essa é minha ladainha. O resto, amigo, sai na purpurina. E tenho dito.”

Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem
(Site do escritor Michel Laub)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Enviado por José Mário da Silva (Universidade Federal de Campina Grande)



Arriete, querida amiga:



gostaria que você soubesse que os meus alunos de Teoria do Texto Poético estão trabalhando com o seu livro Fantasia e Avesso. Eles estão simplesmente encantados, todos eles, sem exceção. Estamos lendo, aula após aula, cada uma das partes de que se compõe o seu belo livro.



Tem sido uma experiência maravilhosa com cada um deles fazendo observações muito pertinentes acerca do mundo poético, lírico, transgressor, fantástico e cheio de avessos, que você criou com tanta competência e sensibilidade.



A literatura, digo sempre aos meus alunos, é um sistema vivo e dinâmico, que abarca, transdialeticamente, todos os tempos do ser/fazer humano. Assim, nesse universo sistêmico tão amplo quanto sedutor, você já tem o seu nome incorporado, como uma escritora que faz da palavra (recorrentíssimo leitmotiv de Fantasia e Avesso), diria Machado de Assis, uma espécie de "segunda alma".



Abraços fraternos para você.



Do amigo e admirador.



José Mário da Silva

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Texto 5 - Arriete Vilela


– Vamos, menina.
– Pra onde, avó?


Penso eu, por acaso, que vai a avó se dignar a me dar uma resposta? Olhar-me – a mim, miúda flor, tímida, tão – e dizer dos nossos passos o rumo?
Da minha mão toma a avó, ergue a cabeça, mira o caminho. Particularmente feliz me sinto: à mão da avó agarrada, saber o destino já não quero, pouco me interessa aonde vamos.

A andar estamos. Casa após casa, vou vendo caras na janela, gente nova, gente velha, feia, bonita, de todo tipo. Vejo menino, cachorro, galinha. O verdureiro, o amolador de tesoura, o soldador de panelas, o homem do pirulito, dona fulana, seu sicrano, dona beltrana. Dar um bom-dia a avó não dá a ningém; dizer “Como vai?”, não diz. Mexer com a cabeça não mexe, não espia de lado, nem pra baixo, nem pra cima. Olha reto, as pernas passos ligeiros dão, decidida ela segue.
Sou contentamento: minha mão na mão da avó. Não importa o modo nervoso como quase me puxa, nem o aperto que vez ou outra sinto nos dedos. O passo da avó rápido é, e as minhas pernas de menina quase já não acompanham esse ritmo.
– Ainda está longe, avó?
– É bem ali.
– Meus pés estão doendo...
– Eles agüentam.

Quero parar. Faz um tempão que a gente anda. Quero que a avó pare, como a mãe,
numa casa e noutra, para eu ter tempo de no batente me sentar e aliviar os pés.
– Avó, não vamos parar?
– Só sabe reclamar, menina?
Reclamando não estou. Extenuada, isso sim. Cansada, muito, tão. A avó não presta atenção em mim, não tem pena do meu cansaço. Cruel está sendo, embora sem querer, eu sei, mas está. Tanta légua já, tanta casa, tanta rua, gente tanta, poste, porta, calçada alta, calçada baixa, meio-fio, rua de barro, isso assim, aquilo doutro jeito. Sinto que o prazer de estar agarrada à mão da avó extinguindo-se vai com o cansaço. Com as costas da mão esquerda, livro os olhos das gotas de suor que escorrem da testa.
Diminui o passo a avó. O rosto afogueado, suada também. Larga a minha mão, ajeita a trança presa no coque, enxuga o rosto com a barra da saia.
– Chegamos, avó?
– Chegamos.

É o cemitério. Ultrapasso o enorme portão preto de ferro e não sinto medo nem tristeza. Sinto um enorme alívio por ter, enfim, chegado a algum lugar.
– Que bom, avó...
Sento-me na beira de uma cova. As alpercatas desabotôo. Abano o rosto, respiro fundo. Olho o céu, e ele me parece bordado de amarelo: enfeitam-no os girassóis.
A avó se distancia. Que mortos ela tem pra chorar? Que almas lhe pedem reza? Vou vendo-a cada vez menor, entre uma cova e outra, passando ora por uma cruz, ora por uma placa de cimento.
Pequenininha, a avó, lá longe, no fundo do cemitério. Tenho sono, tanto, muito. Mal abro os olhos. Sequer tenho noção de abandono ou medo. Perco a avó de vista. Tudo é silencio.

Que segredos terá vindo a avó guardar no cemitério?






In: Grande baú, a infância

sábado, 29 de outubro de 2011

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Palavras não ditas... Recortes poéticos de Arriete Vilela




Inspirados em poemas de Arriete Vilela e nos relatos da autora sobre o seu percurso poético de vida e de arte, professores e alunos da Escola Técnica de Artes (UFAL) propõem uma viagem poética misturando a força da poesia com pequenas histórias da vida da autora; a performance é um convite para o espectador vivenciar a intensidade de um espetáculo de Arte, em várias modalidades, como poesia, música, teatro, e de provocações das palavras não ditas e ditas.
Carla Antonello

Coordenadora da Escola Técnica de Artes (UFAL)

"Recortes poéticos de Arriete Vilela" - Escola Técnica de Artes / UFAL







quarta-feira, 26 de outubro de 2011

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

União Brasileira de Escritores (Rio de Janeiro) premia Obra Poética Reunida

A União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro concede o "Prêmio Olegário Mariano" ao livro Obra Poética Reunida, de Arriete Vilela; a solenidade de premiação será ainda neste mês de outubro, na Academia Brasileira de Letras.




quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Fantasia e Avesso: relançamento na V Bienal

FANTASIA E AVESSO será relançado na V Bienal Internacional do Livro de Alagoas, de 21 a 31 de outubro, no estande da FAPEAL (Centro de Convenções)





















Maria Flor etc: relançamento na Bienal

A obra MARIA FLOR ETC. será relançada na V Bienal Internacional do Livro de Alagoas (de 21 a 31 de outubro)







sábado, 15 de outubro de 2011

Fantasia e Avesso V - Arriete Vilela

“Amor, tens sido meu mestre,
Tenho-te servido sobre todos os deuses.
Ah, se pudesse nascer duas vezes,
Como te serviria melhor!” (Clément Marot)



Retomado... Na ronda que fazes à minha paixão. No brinde a esse amor, forte como um cordão umbilical. O avesso das pessoas que desgraciosamente cirandam ao redor da minha fantasia. A palavra, amor: uma natural disposição para a luta, garras afiadas à espreita. A palavra: senha para transpor grades e pedras, senha para todos os privilégios do segredo. A fantasia construindo uma interioridade intocável - pássaro arisco de olho flamejado de emoção. O avesso das concessões amorosas, o coração em agitado entretenimento com o mundo; o colorido das pessoas, suas investidas, seus movimentos, suas farsas e suas festas. Fruição do momento, tu deves entender. Cheiro de lavanda ao vento, uma alegre estrada com miúdas flores arco-irisadas. Uma busca inconsciente, dolorosa e ansiada de sensações que acetinassem a pele sem ferir os escrúpulos. Um estalar de dedos, amor, e o príncipe transformava-se em sapo. Um remoer interior, rasteira nos tormentos do anjo. A palavra: uma crueza no olhar, abstenção e alheamento - contraditoriamente, a assunção da dor. Ama-me à tua revelia. Beija-me repetidamente e morde-me com leveza, amor. Sou animal golpeado que te pode encharcar num sangue vivo e borbulhante. É o risco de te comprometeres com o meu sentimento e com todos os meus avessos. O fio da meada retomado nas astúcias vigilantes. É preciso entender bem a fábula e ter o queijo à mão, enquanto uma bocarra vaidosa canta para os tolos. A palavra na fantasia do poeta vigiando o próprio desespero. Não mais disfarçando um romantismo agora sangrado. O fio da meada perdido entre amor e ódio: próximos e silentes, na tocaia. O fio da meada retomado na resistência do mandacaru. A palavra: um abraço fatídico. Serei cruel se tropeçares, serei mortal se rastejares. Uma serpente a jogar-te mel na boca e luz no olhos. A palavra, amor: uma emoção toda exposta à claridade do sol. O avesso do silêncio a cair pesado sobre a tua ternura, a esmagar a tua lógica, a fluir sob uma fatalidade que te trará a mim. Inevitavelmente. A fantasia, amor, não te esqueças. Abelha e aranha caídas no vermelho da flor. Anjo e fera diante de ti. À tua disposição. O fio da meada retomado no brinde às remotas saudades, às quais já não posso agarrar-me. Porque eu só sei amar explodida de emoção; eu só sei amar ritmada com a própria vida; eu só sei amar com os olhos eternamente encantados da infância. Eu só sei amar assim: desordenadamente. Como o capim que cresce, vigoroso e desigual. Enfim: eu só sei amar quando o meu coração singulariza o amor no meio de quaisquer outros sentimentos. A palavra, tu sabes, às vezes me dói: infiltra-se na asa quebrada do pássaro selvagem, enlouquecendo-o. E tu, amor, que me escreves poemas na alma e não sabes a tortura de se ter poemas escritos na própria alma, etcétera e tal, tu não avalias a perplexidade de uma pessoa diante da palavra no casulo, na toca. O fio da meada perdido numa ronda nostálgica à tua boa vontade de amar. Impulso e relance, fagulha e brilho de vaga-lume. Tudo muito rápido, uma lasca na extensa esteira da eternidade, flor branca que já não me amedronta, porque sou borboleta amarela rondando a flor ardente. A palavra e o cheiro bom que vem de ti. Tu perpetuas em mim a incoerência dos amantes e eu te abraço com o desespero dos ecos perdidos nas montanhas desdobradas. A fantasia, amor, não te esqueças. Sou luar nas frestas da tua alma nua. A palavra às vezes é suave como uma flor noturna; às vezes me lanha e eu me contorço de dor e de desejo. Porque a minha paixão é impulsiva e tragicamente ardorosa. O avesso do jogo que re/inventas todo dia, palhaço vagabundo cigano: sei que estás muito além da minha dimensão cotidiana e é por isso, talvez, que te amo tanto. A palavra: o poliedro que tenho vivido e que está sempre retomado no fio da fantasia que me avessa somente para as tuas grandes incoerências...

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Fantasia e Avesso IV - Arriete Vilela

“E o amor que se perdeu, ao retornar, sempre há de ser mais belo, e maior, e mais grato, e mais forte.” (Shakespeare)

O resgate da fantasia. Novamente atreladas, flor e pedra. O renovo, a palavra desfiando a teia lógica das coisas. No avesso da imprevisibilidade do destino, a marca singularíssima da incoerência da bondade de Deus. O fio perdido, amor, e agora retomado, puxando devagar a extensa esteira da eternidade. Uma questão de sentimento, tu sabes. Antropofágico, sôfrego, inevitável esse tremor nas carnes: o olho atento ao fundo plano do baú. A palavra: um mundo, feito um ovo, repetidamente posto em pé. A palavra, às vezes, encerra-se em si mesma, como a tartaruga. O fio retomado da minha paixão voraz e jogado por cima do muro alto: o grande desafio de vida. Ciranda, cirandinha, vamos de novo cirandar. Ah, amor, distorço passado e futuro para que te incluas somente em mim, pois amar-te é como tocar na força viva do prazer, ferida majestosa feito gema amarela; um prazer doce e tenso, flutuando no teu cheiro secreto, cumulado de úmidas carícias, mornas e nuas, abelhas caídas no cristalino da flor. O avesso do nosso código instaurado, do novo discurso amoroso. A fantasia da mesma lua redonda de brilho e de sonho, refletida no ventre prenhe de ansiadas palavras, com as quais te apalpo e que nunca se submetem aos meus ímpetos. Porque estou sempre perplexa diante de uma saudade que abstrai o sentido real do que rotineiramente és. A palavra: gosto de peixe cru na boca, resina escorrendo pelo corpo, lua cheia encharcada de chuva e de solidão. A palavra é feito espinho no pé. O avesso dessa paixão que às vezes toca a minha alma, impiedosamente, ao ponto de nocauteá-la. Justo a minha alma, cigana e borboleta, intraduzível e silenciosa, que se cria a partir da tua compreensão e morre quando tua lógica encurta o caminho através das formas ensombreadas da linguagem. Ah, a palavra: é como estar leve e solta dentro de um enorme vazio: flutuo sem adjetivos, apenas intuitivamente, isenta de aflições, desenraizada, numa preciosa solidão cheia de acessos a ti, à espera do teu afago e do teu silêncio, atenta ao abandono da tua alma fluida e da realidade fibrosa e vigilante do teu coração. O avesso de qualquer mistério e de qualquer explicação, amor, por causa da minha postura diante da eternidade, desconhecida e incompreensível flor branca que já não me amedronta, porque estou plena somente de ti. Pois os teus olhos de luz dourada me avessam, tu sabes, e então sigo as rotas que traças no mapa dos instantes - e se mudas o rumo, como se fora apenas uma questão de humor, sou gaivota voando com as asas desesperadas de uma águia. A fantasia, amor, da grande lona de circo protegendo-nos de todos os maus olhares, amém. A palavra boiando dentro de mim, energizando a minha carne - borboleta amarela rondando a flor ardente, um grande salto dentro da noite. O avesso da realidade coletiva e gregária, que não comporta o único referencial com que te aguardo: uma vadia paixão, poetizada e hemorrágica, princípio vital cheio de ritos, estopim e emboscada. Uma paixão clandestina, à margem do caminho comum das pessoas; uma paixão impaciente, criativa nos agrados, dengosa, tirânica, intensa. A fantasia, amor, não te esqueças. Novamente atreladas, flor e pedra. Sem fragmentação de vida, sem suspense traído, sem presenças viscosas. Ternuras renovadas, o incenso posto ao lado, as bolinhas no lençol de águas brancas com que te brinco e te cubro etcétera e tal. O fio da meada perdido e agora retomado. Perdido e retomado. Retomado, amor...

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Fantasia e Avesso III - Arriete Vilela

“Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
Amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?”
(Carlos Drummond de Andrade)


... e retomado. Noutros termos, bem sabemos. Qual asa quebrada do pássaro selvagem. A palavra: fantasia e avesso. Uma febre, uma doença sem cura, ferida perpétua, apesar da flexibilidade. A palavra: último momento, última chance, último fim. Cais em noite escura, ventania, convite, cheiro acre no lençol. A caixa de rapé, velhas associações, o pigarro, a ira sem espuma. O avesso da própria fantasia: mosaicos sobre a minha amargura de estar vivendo um poliedro. Noutros termos, agora, o cristal e o lírio, a dor e as farpas. O real sem porto de chegada. O avesso cruel, antropofágico, enlouquecido. Janelas sendo fechadas na cara fria de tanto receber o vento cheio de vazios. As ternuras no trilho do trem; os perdões passivos, fáceis e súbitos, indiferentes. A palavra: ouro no velho baú, piratas rondando, o medo furando os olhos, lâmina afiada e seca. O avesso das tuas ponderações, das tuas extraordinárias ponderações, das tuas inúteis ponderações. A tua sensatez e a tua opção. A fantasia que estava por detrás de tudo isso. A alegria que havia nas expectativas e nas imponderações e na tua alma e no meu desejo. 0 fio da meada, amor, perdido e retomado agora noutros termos. De um jeito que eu não queria. Qual desenho no papel jogado às feras. A palavra: plantão e isca, o olho na ponta do anzol. O mundo e as coisas, borboleta marrom, aranha caída no vermelho da flor, baba peçonhenta. Pétalas negras molhadas no sangue doce. Ah, o avesso da singularidade de tudo o que me chegava através de uma hemorrágica paixão. O avesso da libertação torturada na asa quebrada do pássaro selvagem. A dor do golpe dado às costas, a dor da perda. O avesso da minha desesperada decisão de não te procurar, pois continuo sem saber destravar portas e postigos. O avesso, amor, da tatuagem feita a ferro e brasa. A fantasia da lona cobrindo o imponderável circo que era o meu coração, quando estávamos ambos na mesma corda bamba. O avesso dessa história que se vai abreviando e cujo fio está labirinticamente perdido. Ah, a palavra: sem sintonia, agora, sem bússola e sem leme. Descolada de mim, a palavra. O som dos pratos distanciando-se da fanfarra. O som perdido do que me era apaixonante, do que me brincava nos olhos calmos. O fio da meada retomado nos dentes trincados de agoniada dor. O avesso da morte tantas vezes driblada, enganosamente. O descuido do anjo, o descaso, a cruz fincada no chão. Não mais a palavra fácil, não mais o tremor nas carnes, os nervos retesados: a alegria do escrever. O mergulho no mar desconhecido, a cerveja gelada e o balanço na rede. O avesso do privilégio de se ter tudo isso, sabendo-se que os anões roubaram um pedaço do coração, uma lasca da alma, amor, uma fatia do bolo com cobertura de suor vivo. A fantasia das nossas sombras imitando-nos ao sol; do arco-íris desfazendo-se no nosso corpo; das nossas tardes, amor, sem outras presenças e sem esse limão de agora. A palavra: magia e milagre, macio cetim no oco da minha alma. A palavra asfixiando-se na palavra que tu me deste e que era de vidro e se quebrou. A fantasia do reino de muitos avessos e de poucas palavras verdadeiras. A fantasia, amor, da lua minguante. Feito o teu amor. Feito a minha alegria. Feito a palavra. Feito esse fio perdido e, creio, nunca mais retomado.

(In: FANTASIA E AVESSO)

domingo, 9 de outubro de 2011

Fantasia e Avesso II - Arriete Vilela

“Não há garantia nenhuma. Mas é desejar um compromisso, sem nenhuma garantia, que faz do amor algo especial.” (George Weinberg)

O fio da meada, amor: retomado como se, sobre ele, fosses atravessar imensos desfiladeiros. O avesso da civilização nas suas incompreensíveis coerências e nos seus adornos, nas suas explicações intermináveis, quase sempre inúteis. A fantasia do balanço feito na mangueira do fundo do quintal e eu lá, menina ainda, pequenina flor agitando-se ao vento, voando no ar. As inocências desveladas, os nascimentos e os frutos: os quintais da minha fantasia, um mundo minuciosamente sôfrego, cheio de expectativas e de mistérios. E tu, amor, és o começo do arco-íris que mergulha no limite do mar; se já me esperasses ao fim dele, creio que te confundiriam com o pote de moedas de ouro que os seres elementares dizem existir. Eu te quero sempre no começo, no renovo. Eu te quero no sangue aquecido de emoções, e se não te dou a paz dos bem-aventurados bíblicos é porque a paz, amor, é a ausência das emoções humanas e eu te quero cheio de uma humanidade plena, embora imperfeita. Eu te quero prescindindo de uma realidade que passa a ser comum quando não tem avesso. De novo a palavra: mergulho e fôlego, um desafio. Um barulho seco no coração ansioso, uma esmola gorda na mão que obsta o caminho; um tremor nas carnes, os nervos retesados: a implosão - e é tudo uma questão de aura ou de carma. Ou de pelos eriçados de paixão. Ou do fremir. Ou do nada, simplesmente. Porque eu te amo a partir do nada. A partir do pó e do sopro de que somos feitos cotidianamente. Ou de toda essa confusão que se instala no peito que ama e que dança ao som da melodia do andante cantabile. O avesso, amor, de qualquer argumento, de qualquer racionalidade, de qualquer aritmética. A fantasia, não te esqueças. Da flauta doce e dos teus doces olhos. Do mergulho na brabeza do mar desconhecido, uma luta desigual e bonita. Esse mar que nunca te traz, qual marinheiro em desventrados azuis que não são provisórios. A fantasia e o avesso. Dos músculos que não se contraem quando escrevo, porque estou absolutamente entregue. A fantasia dos teus atos que me vêm através de mil pés, nenhum deles capenga. A fantasia da mãe cigana que me rouba numa carroça em pandarecos toda vez que o meu coração sangra. Ela me leva por qualquer estrada, contanto que a dor se distraia de mim e me abandone de mansinho; ela deita a minha cabeça sobre a sua velha saia rodada e colorida e me canta uma canção cigana qualquer; ela afaga os meus cabelos como só uma mãe sabe afagar, porque, então, eu preciso muito de um afago. A mãe cigana me rouba, tu sabes, porque às vezes eu também careço de me curar de ti; ela lê a minha mão e quando vê o teu nome mil vezes repetidamente escrito nos traços do meu destino, ela se cala e sei que terei ximbras vindas dos olhos dela. Eu amo a minha mãe cigana e ela te ama porque sabe que és a minha prioridade de vida. Sim, a palavra, amor: pérola na ostra, pistilo, larva e lastro, possibilidade e intuição. Uma estranheza que, às vezes, apesar da dor na carne, paira muito além de mim. A palavra: uma re/invenção, um sufrágio, um acúmulo. Uma perplexidade, quase sempre. O que excede da minha paixão, hemorrágica e vadia. Tu sabes, amor, que quando me apreendes implicitamente, tu próprio ultrapassas o teu significado visível, e temos, ambos, a sintonia do êxtase real, no cerne mesmo do ato. A palavra é canto de aleluia e serve para que eu me mostre maravilhada diante da doçura enovelada que és, qual borboleta amarela, qual música de Tchaikovsky, qual energia alegre. Ah, amor: fantasia e avesso. O fio da meada, perdido...


(In: FANTASIA E AVESSO)





quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Fantasia e Avesso (I) - Arriete Vilela

"Amar é mudar a alma de casa." (Mário Quintana)

A fantasia, amor. O avesso dos fatos, a realidade fibrosa, a palavra à espera. A saudade enovelando o coração, o mesmo segredo, semente viva. Os olhos no mar cheio de pedras, o clímax e a dor do desejo. A harmonia em todos os caminhos, mesmo os tortuosos. A fantasia, amor, não te esqueças de que quero ser a tua fantasia, a outra dimensão, o avesso do teu cotidiano. A paixão é um dom e nos privilegia - e eu te amo porque tua alma é claricíclica e és paixão feito rochedo submerso e feito artemísia e feito flocos de algodão e feito bolero. O mundo e as coisas, borboleta e presságio, abelha caída no vermelho da flor. A palavra, despojada e oculta, transmudando o castanho da vida; a palavra, atitude permanente, ímpeto precioso e desordenado, gracioso e alegre. A palavra: gangorra e fantasia, significação na tessitura da alma. A palavra, amor, na noite sem estrelas, na solidão fingindo-se distraída, no vôo despretensioso da gaivota cantada no violão da amiga vinda das rendas. A palavra intuitiva, assim como todas as minhas deduções, que nunca foram lógicas. A ternura no abraço de todos os santos baianos, dos anjos barrocos, dos nômades e dos vulneráveis. Alguma coisa minha que já se colou à tua vida, estampa no teu coração, figurinha no álbum. O instante agora é amplo e potente: crio um mundo, que é meu e teu, granítico e atravessado de eucaliptos. A fantasia, amor. O avesso da palavra que crepita e que é êxtase silencioso e secreto. O avesso do pensamento que estranha toda a espécie humana feita à imagem e semelhança de Deus. O avesso, amor, das minhas próprias incoerências e das tuas grandes compreensões. Tenho estado na plenitude lúcida da felicidade, que me surpreende como se fora um milagre. O avesso do teu olho boiando na tarde dourada, boiando no mar que tu me deste, etcétera e tal. O avesso da flor, da raiz, das nuances e do vazio. A fantasia e o avesso. Hemorrágica, essa minha paixão. Excedente, voraz, orgânica, genial e geniosa. Uma tela branca, todo dia. Tu me escreves poemas na alma e não sabes a tortura de se ter poemas escritos na própria alma; tu me pintas o longe e o místico nos olhos e não sabes a loucura de se ter o desconhecido nos próprios olhos. Tu, amor, colhes-me o sangue e o bebes com a inocência de uma criança que toma leite. Pois tu não avalias o quanto a oferenda que sou te pulsa na breve história que és. Porque somos todos uma breve história – e quanto mais avessada, melhor. A fantasia, não te esqueças. A terra humosa, o ritual do incenso posto ao lado, as bolinhas no lençol de águas brancas com que te brinco e te cubro. O chão, animais entorpecidos de tanto amar. O desperdício das horas em que és ouro-sol para outras expectativas. Yo te quiero siempre. No tango, o salão iluminado de muitos olhos; na taberna e no delírio que me causa o Bolero de Ravel. Yo te quiero, amor, mesmo quando és ianque, os braços cheios de promessas vindas da floricultura. O avesso e a fantasia. O grito que é sussurro, gozo e conquista, gozo e sangue, águas calmas desembocando na fúria dos sete mares. O avesso da contemplação de tudo isso. O avesso da opacidade dos outros, dos golpes dados à toa, das ondulações na angústia que me toma toda vez que falo secretas andanças. O avesso da bolha de sabão seguida pelos olhos miúdos e gananciosos de toda a gente que é atraída pelas honrarias, submetida à tirania das pessoas mais fortes: um avesso que fatalmente espocará inchado feito um cogumelo doente. O avesso do feio, do sórdido, do coração endurecido e vampiresco. O fio da meada, amor, sempre perdido e sempre retomado. O sabor de mel nas coisas quando estás por perto. A nota musical caindo na leveza da manhã e, remotamente, no rio em que banhava os meus sonhos de menina. Eu já te intuía e tudo o que foi escrito já era teu. Aliás: eu inteira sou tua, no avesso e na fantasia da vida...

(In: FANTASIA E AVESSO)




sábado, 1 de outubro de 2011

De Abbas Kiarostami









"A fotografia não conta uma história, mas deixa-nos a liberdade de imaginá-la..."




Fotos: Arriete Vilela